segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Meninas respondem!! (04) com Luiza Lemos

Conheci essa flor como uma crossdresser iniciante e de um dia para o outro eu percebi que ela tinha se transformado em uma mulher! Incrível como pareceu natural e eu diria muito rápido (começamos a nos falar em maio desse ano). Confiram a entrevista com a Luiza Lemos:


Como você se vê ou como se descreve?
Eu sou uma mulher trans, feminista e ativista LGBT.

Quando e como você percebeu que o seu lado feminino era forte?
A primeira lembrança de infância que tenho, sou eu vestindo um biquíni amarelo de uma das minhas irmãs e me olhando no espelho, devia ter uns 8 anos. Contudo, a  minha vida inteira reprimi  meu interesse pelo feminino por motivos diversos; por causa do machismo, da religião, e tantos outros elementos sociais que mantém pessoas distantes de seus verdadeiros sentimentos. Mantive as minhas experimentações femininas limitadas a usar as roupas das mulheres ao meu redor, irmãs, namoradas, esposa.
Mas, depois de manter isso em segredo por 36 anos, resolvi contar a minha esposa. Na época eu me definia como crossdresser. Por motivos diversos, nosso casamento já não era mais o mesmo, e aquele novo elemento veio pra enterrá-lo de vez. Passei um tempo bem deprimida após a separação. Mas, um grande amigo me fez confessar o que tinha acontecido. Temerosa pela perda daquela amizade que considero muito, contei-lhe. E para minha surpresa ele não só aceitou, como me levou pra sua casa, onde a esposa dele (uma grande amiga também), me deu roupas e acessórios.
A partir daquele momento eu tinha minhas próprias roupas, maquiagens e tudo mais. E a primeira vez que me montei completamente e me olhei no espelho, vi a pessoa que eu sempre imaginei. Foi como me olhar no espelho a primeira vez. E desde então eu percebi que não poderia mais lutar com a mulher que me tornei, ela é forte demais!

Quanto você se considera feminina?
Eu vivi a minha vida toda como homem, e apesar de agora reivindicar minha posição social de mulher, inevitavelmente trarei uma enorme bagagem da minha vida masculina. Mas, hoje sou mulher, e acho que essa afirmação, por si só, já define o quanto me acho feminina.

E o lado masculino ainda é forte?
Eu sempre fui visto como uma pessoa mais sensível, nunca fui muito devotada a esportes, nunca tive grandes atributos físicos masculinos e sempre dei mais valor a cooperatividade do que a competitividade. Mas, como disse antes, vivi a maior parte da vida como homem, e inevitavelmente carrego comigo gostos e preferências adquiridos durante esse tempo.

Tem alguma mulher que você admira e/ou se espelha?
Tem um monte de mulheres que eu admiro por diversos motivos, Simone de Beauvoir, Frida Kalo, por suas contribuições a arte, a politica e a liberdade da mulher, Salma Hayek por sua força, determinação e beleza estonteante, Marilyn Monroe, por sua ousadia e feminilidade inigualáveis. Mas há muitas outras que adoro, Scarlett Johansson, Pam Grier, Karol Conka.
Mas, não me espelho em nenhuma delas, procuro ser eu mesma. Embora seja influenciada pelo estilo e pensamento de todas as mulheres que admiro.

Como foi tomar a decisão de se assumir como transgênero?
Libertadora! Eu percebi que o termo Crossdresser não abarcava o meu sentimento quando me montava. Eu me sentia plena montada, passei a fazê-lo quase que diariamente, e a hora voltar a vida de homem cisgênero era cada vez mais triste. Então eu me dei conta que eu não queria mais voltar a ser o homem cis. Passei também a desejar cada vez mais que as coisas fossem reais, que eu pudesse tirar a blusa e ver seios, e que o meu quadril não fosse uma calcinha com enchimento. Queria acordar de manhã, e mesmo descabelada e com cara de sono, eu não visse um homem no espelho. Então eu tive que quebrar barreiras e preconceitos, e admitir que eu não era crossdresser, que eu era um transgênero. E foi um momento em que senti muita paz, e a sensação de bem estar de quem é liberta após uma vida de carcere .

Como foi a reação das pessoas ao seu redor?
Passei a me revelar pra cada vez mais pessoas, outras descobriram,  e me surpreendi com a aceitação que tenho tido até o momento. Mas, estou em meio a transição e só vou ter a verdadeira impressão sobre isso em janeiro, quando abandonarei definidamente a minha vida cis (embora hoje eu já seja bem andrógena), talvez se Samantha e suas leitras quiserem, eu fale disso novamente no ano que vem. Mas, independente de preconceito e coisa do tipo que possa enfrentar, esse é um dos momento mais felizes da minha vida, talvez até o mais feliz, e ninguém vai tirar isso de mim.  

Sei que você tem contato com a geração mais nova, você consegue perceber uma mudança na aceitação de público LGBT por parte deles?
Bom, eu não escolhi esse momento pra me assumir à toa, vejo uma aceitação muito maior hoje dos LGBT’s do que em um passado recente. Sem dúvida, as gerações mais novas estão tendo mais contato com o universo LGBT, mas nem sempre isso significa aceitação. A grande questão, a meu ver, é educação. Não só a educação que vem de casa, mas a educação sobre sexualidade e identidade de gênero nas escolas, que vem sendo amplamente combatida por vários setores do legislativo em todas as suas esferas. Muito do preconceito é gerado por uma incompreensão do assunto. Eu como professora sempre procuro conversar com meus alunos sobre essas questões, e percebo que diante da luz do esclarecimento muitos passam a ter visões de mundo diferentes. Mas, a grande questão é o que tem sido ensinado a essas novas gerações, a compreensão, o respeito e a empatia? Ou o ódio? porque como dizia Nelson Mandela:  “Ninguém nasce odiando, o ódio é algo ensinado”. Se queremos um mundo melhor pra todos, devemos combater aqueles que querem negar o direito ao conhecimento às novas gerações promovendo um discurso de ódio.  

Qual é a sua peça de roupa favorita e por quê?
(Risos) Não acho que tenha uma peça preferida, mas gosto dos meus vestidos. Acho que um vestido bonito e bem ajustado é o que há de mais lindo.

Já realizou ou pensa em realizar modificações no corpo? Se sim, quais?
Estou fazendo tratamento hormonal, e as mudanças vem com o tempo. O meu plano é após, pelo menos, um ano de hormonização fazer a CFF - Cirurgia de Feminização Facial. Pra mim, esse será um momento de conclusão da transição, o que fizer daí pra frente serão mudanças cosméticas, se for necessário.




Gostaria de deixar um recado para as outras meninas?
O recado que posso deixar é, sejam o que vocês querem ser. Nada trará mais felicidade, mesmo diante do preconceito. Pois, não há nada pior do que viver escondido e com medo. A liberdade pode parecer dura, mas ainda assim é coisa mais valiosa que qualquer um pode ter.
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