Estima-se que hoje vivem aproximadamente 1,9 milhões de Hijras somente na Índia. Elas se organizam em pequenas comunidades de 5 ou mais chelas (discípulas), chefiadas por uma guru, normalmente a mais velha do grupo. Quando uma chela se transforma em Hijra, após treinamento nas artes do canto e dança e em outras atividades que possam lhe tornar economicamente ativa, assume o sobrenome e passa a ser um membro da família da guru.
Parte da renda delas vem dos rituais realizados em festas de casamento ou de nascimento de uma criança. Elas chegam cantando e dançando nos locais sem precisar de convite e pedem uma contribuição para irem embora. Se atendidas, abençoam o casal ou o recém nascido. Caso contrário, rogam pragas. Os indianos acreditam que a emasculação confere poderes mágicos e que atrapalhar o ritual delas pode trazer azar.
No entanto, assim como no Brasil, a maioria dessas meninas vivem marginalizadas na sociedade e o bruto da renda delas vem da mendicância e da prostituição. No caso delas, porém, essa marginalização tem relação direta com o colonialismo britânico durante o período de 1858 até 1947. A cultura ocidental "superior" do Reino Unido considerava que castas como a dos andarilhos, comerciantes itinerantes, nômades, ciganos e eunucos eram um problema de lei e de ordem para o Estado, então em 1871 foi publicada a lei "Criminal Tribes Act" que criminalizava tribos como a das Hijras.
Antes da existência desta lei as moças eram bem aceitas na sociedade, inclusive residiam em palácios reais como protetores do reino! Se pensar bem essa classe se originou com os eunucos que eram castrados na infância e treinados para cuidar dos grandes haréns de príncipes e sultões, sendo assim no mínimo elas tinham uma posição de confiança dentro dos palácios.
Vilã em Appu (2000) |
Hoje quem se esbarra com elas nas ruas mal sabe que se trata de uma cultura milenar. Existem citações sobre as Hijras em documentos antigos como os épicos sânscritos Ramayana ou Mahabharata, ambos textos sagrados de grande importância para o hinduísmo que foram datados como escritos entre 500 a.C. a 100 a.C mas que surgiram muito antes e sobrevieram pela tradição oral.
A cultura sul asiática abraçava a diversidade a milênios atrás! A mitologia deles está repleta de lendas sobre mudança de sexo como deusas que se transformavam em homens, deuses que se transformavam em mulheres e deuses com atributos ao mesmo tempo femininos e masculinos, como a andrógina Ardhanarishvara (junção de Shiva e sua consorte Parvati).
Para a sociedade indiana, que enfatiza as maravilhas e bênçãos da reprodução humana, a impotência masculina é um grande motivo de vergonha, mais até que a homossexualidade. Por isso que muitos pais entregam seus filhos com traços de feminilidade para as casas de Hirjas para que cresçam em meio a seus "iguais" e aprendam a ser uma delas, karma que acreditam estar predestinado os efeminados. Um dos testes para a adesão à comunidade era a prova de impotência onde colocavam uma chela para dormir com uma prostituta por um certo período de tempo e a monitoravam.
Atualmente algumas Hijras estão envolvidas na política para tentar reverter sua situação social buscando maior respeito da comunidade. Algumas conseguiram expressiva votação. Em 2000 Shabnam Musi foi eleita deputada para Assembléia Legislativa de Madhya Pradesh. A Kamla Jaan assumiu a prefeitura de Katni e sua correligionária Asha Devi a de Gorakpur.
Apesar de toda a diversidade de pensamentos vistos no hinduísmo, o discurso e a prática no país ainda são bastante contraditórios, com muitos resquícios da ocupação britânica. Mesmo assim, a religião hinduísta é uma das mais condescendentes com o público LGBT!