Tive a oportunidade de conhecer a entrevistada de hoje e a sua esposa no Meeting on High Heels, que participei em São Paulo, e posso dizer que adorei saber ainda mais sobre ela aqui no Meninas respondem!! Descubram um pouquinho da história e dos pensamentos da querida Márcia Tirésias.
Como você se vê ou como se descreve?
Carl Jung tinha uma frase assim: “até onde conseguimos discernir, o único propósito do ser humano é acender uma luz na escuridão da mera existência.” Acho que isso resume bem o que sou e o que tenho feito em minha vida: iluminar minha própria escuridão.
Quando e como você percebeu que o seu lado feminino era forte?
A lembrança mais antiga que tenho é por volta dos seis, sete anos. Recordo que estava assistindo um filme na TV sozinha e vi uma cena com uma bela mulher de vestido tomara-que-caia em uma festa ou algo assim. Achei a figura dela tão bonita.... Fiquei com vontade de reproduzir aquela beleza em mim mesma e então fui até a janela, que tinha uma longa cortina, e me enrolei nela até reproduzir o desenho do tomara-que-caia em meu corpo...rsrs
Houve uma sensação de euforia, mas também de estranhamento muito forte. Outros episódios se sucederam com o passar dos anos, como colocar um salto alto de minha mãe para ver como meus pés ficariam...rs
Quanto você se considera feminina? E o lado masculino é muito forte?
Essa é uma boa pergunta... Acho que não tenho um lado feminino, mas sim um IDEAL feminino. Não é a mesma coisa. Tenho uma figura idealizada de Mulher e procuro atingi-la. Na verdade, mais de uma figura ideal. Imagino essa personagem e procuro sê-la na aparência, na atitude, no gestual, nas palavras. Não é um processo totalmente controlado e consciente. Lembra um pouco as técnicas teatrais de “imersão em personagem”.
O lado masculino seria então meu único lado?? Acho que sim, mas é interessante dizer que essa adoração pela estética feminina me permitiu ser alguém mais atencioso e sensível aos problemas da mulher. Detesto demonstrações de machismo, abuso ou violência e sempre me posiciono contra as manifestações dessa cultura informal de opressão, como aqueles comentários machistas que às vezes surgem nos corredores dos escritórios... Apoio também o movimento feminista e as políticas de inclusão das mulheres no mercado de trabalho.
Além disso, hoje compreendo melhor os pequenos sofrimentos cotidianos da mulher, como a “ditadura da magreza”, as dores da depilação e o incômodo do salto alto. Se eu não tivesse essa minha experiência como crossdresser, acho que nunca compreenderia...
Como foi contar à esposa sobre seu crossdressing?
Não houve o ato de “contar”... A gente foi descobrindo juntas durante o namoro e casamento. O meu crossdressing estava adormecido quando começamos a namorar. Eu não tinha o hábito de me montar regularmente e por isso não havia o que esconder dela. O crossdressing começou como uma brincadeira que foi elaborando e ganhando contornos mais sérios...
Ela não teve uma surpresa ou choque, como acontece em alguns casos. A gente foi descobrindo isso (no meu caso, redescobrindo) em um processo gradual.
Mais pessoas sabem a respeito do seu crossdressing? Como foi a reação?
Fora do meio, tenho alguns parentes que sabem, uma amiga da vida profissional e amigos de uma ONG de apoio às travestis em situação de rua. Suspeito também que minha faxineira sabe... KKKKK
A reação foi melhor que eu esperava. Normalmente há um choque inicial, seguido por um fascínio e curiosidade. Creio que é um comportamento positivo das pessoas, se considerarmos que estão diante de algo desconhecido e novo para elas.
Tem alguma mulher que você admira e/ou se espelha?
Gosto demais da Marylin Monroe, que esbanja sensualidade e uma alegria de viver quase infantil em suas fotos. A Tônia Carrero era belíssima, estonteante e não deixava nada a dever às estrelas internacionais. A Sophia Loren é outra que adoro, com seus olhos enormes e formas voluptuosas. A Grace Kelly é fina e elegante de forma tão natural que gosto muito também. Há outras, como Ava Gardner, Brigitte Bardot, Gina Lollobrigida...
Em geral, gosto dessas grandes estrelas do passado. Elas são de uma época em que era necessário ser sensual sem apelar para exposição do corpo. Eu admiro isso.
Qual é a sua peça de roupa favorita e por quê?
Sabe que não tenho uma peça de roupa favorita??? Gosto de pensar na composição, no look. Adoro o exercício de imaginar a mensagem que quero passar, definir o look que preciso ter para passar esta mensagem e então listar as peças que se harmonizarão para construir este look
O que costuma fazer enquanto está montada?
Posar para fotos! Muitas fotos!!!KKK :D
Gosto também de sair montada. Isso começou há pouco tempo. Tenho ido a eventos crossdresser e em alguns casos a locais públicos. É uma experiência que proporciona emoções intensas e curiosamente alívio também. Entretanto, é mais trabalhosa e sujeita a variáveis que nem sempre posso controlar. Por isso, saio de vez em quando.
Já realizou ou pensa em realizar modificações no corpo? Se sim, quais?
Atualmente tenho uma regra pessoal de não fazer modificações permanentes no corpo. E ainda assim, só fazer se for necessário para compor a imagem que quero atingir. O motivo é uma ética minha, a forma como eu entendo que o corpo deve ser tratado e também a forma como quero tratar meu crossdressing. As únicas “mexidas” que faço são a depilação e a “limpeza” das sobrancelhas.
Eu nem mesmo furo as orelhas. Tenho encontrado brincos de pressão que satisfazem o que busco, então estou OK assim.
Gostaria de deixar um recado para as outras meninas?
Sim!! Aproveitando o tema das modificações no corpo, gostaria de deixar um recado para as meninas que se descobriram trans ou apenas querem feminizar-se mais: por favor, não tomem hormônios ou bloqueadores de testosterona sem o devido acompanhamento médico. Tenho várias amigas com problemas sérios de saúde devido aos danos provocados por essas substâncias. Procurem o médico e se abram com ele. A comunidade médica está cada vez mais consciente dessa necessidade da população trans e vem se preparando para prestar um melhor atendimento.
Outro recado, agora para as meninas que sofrem com a culpa e o medo e que também serve para mim mesma: não há nada de errado em se travestir e o crossdressing não é um defeito. Elaborem, desenvolvam, curtam, divirtam-se, sejam felizes! Parafraseando Rupaul:
Se você não se entende, como poderá entender outra pessoa?
Se você não se aceita, como poderá aceitar outra pessoa?
Se você não se ama, como poderá amar outra pessoa?
Beijos