O texto a seguir é uma tradução do artigo da Phoenix Huber, uma mulher trans americana. Ela compartilhou 4 experiências de gênero que pessoas próximas confessaram para ela. Gostei muito da leitura pois eu mesmo já ouvi diversas histórias similares. Boa parte delas foi graças aos contatos recebidos aqui no blog, mas as que mais me surpreenderam foram de pessoas próximas de mim que enxergaram na Samantha um espaço seguro e confiável para abrir suas experiências pessoais.
Alguns casos renderiam até novelas, mas posso citar que soube de gente que teve experiência homossexual, de gente inconformada com tratamento diferenciado para crianças de cada gênero enquanto crescia, gente que teve que adaptar o jeito natural de ser para se misturar em grupos e até de gente que carrega uma ferida na alma por nunca poder expressar a si mesmo como se sente. Enfim, cada caso serve para abrir um pouco os nossos olhos para a realidade que vivemos.
Traduzido de Phoenix Huber
Ser você mesmo é um ímã para as histórias das pessoas
Quer saber uma das coisas mais legais em ser você mesmo? Sua abertura pode convidar outras pessoas a confiarem a você as suas histórias.
Sentimentos transgêneros me acompanharam desde muito cedo. Ao sair do armário, li autobiografias como Redefining Realness de Janet Mock (sem versão em português). Isso não me tornou uma PhD em lutas de identidade de gênero! Eu ainda tinha muito para aprender.
No entanto, já que eu era visivelmente trans e também uma boa ouvinte, estava aberta a receber uma educação informal. Amigos, familiares e estranhos na web me honraram com suas confissões relacionadas à gênero.
Aprendi o quão diversas são nossas experiências de gênero.
As coisas pararam de parecer chocantes. Ainda assim, ter a confiança das pessoas foi uma experiência humilde. Não há nada como relatos em primeira mão. Ser trans me deu uma visão panorâmica das experiências de gênero das pessoas, muito além do que os blogs anônimos poderiam me ensinar.
Aqui estão 4 casos que as pessoas me contaram. (Alguns detalhes foram alterados por privacidade.)
1. Eu teria feito a transição
“Eu teria feito a transição”, disse ela, “se o mundo fosse diferente naquela época. Antes de eu me tornar definido em minha identidade como Michael. ”
Naquele momento, minha visão de Michael mudou para sempre.
2013 foi quando me declarei transgênero. Celebridades trans estavam em alta. Eu era uma estudante no programa de teatro da ASU, onde eles nos receberam para sermos loucos.
Eu imaginei como seria atingir a maioridade nos anos 80. Entrando em um campo tradicional de trabalho, como Michael havia feito. Por mais tempo do que eu tinha vivido, este líder influente no meu círculo social desejava que ele fosse do outro sexo.
Todos nós sabíamos que Michael vivia com generosidade. Com devoção. Nenhum de nós sabia que ele também vivia com disforia de gênero.
Não importa quem mais sabe disso ou não, sempre penso em Michael como uma mulher. Vejo quando olho para ela ou ouço sua voz. Ela gosta de ser percebida assim.
Se você tem disforia de gênero, você não precisa assumir, fazer a transição ou definir-se como trans. O que fazemos é nossa escolha. Quanto mais nosso globo floresce com simpatia à comunidade trans e inclusão de gênero, as portas se abrem.
Com amigos como Michael eu aprendi que você raramente conhece as lutas secretas das pessoas. É um mistério como nós nos percebemos. Portanto, seja curioso. Conheça gente. Estou disposta a ser surpreendida.
A cada novo dia, tento jogar pela janela o que achei que sabia. Que eu possa ouvir meus amigos e minha família novamente, e permitir que cada pessoa renasça em meu coração.
2. Desejei ser um menino por causa da minha infância
Um dia minha colega de classe compartilhou uma memória.
Quando ela era pequena, Deirdre adorava estar com seu irmão. Mas sendo uma menina, ela tinha que brincar em uma caixa de areia separada. Ela foi forçada a isso. Nas palavras das crianças: não era justo.
Naquele momento, Deirdre desejou desesperadamente que ela fosse um menino.
O gênero é importante na maioria das formações. É comum crescer com dor ao redor. Estamos implacavelmente divididos entre grupos de meninos e meninas. Todo mundo é um ser humano único. Queremos ser mais livres.
Quando eu era pequena, também detestava estar separada. No meu caso, separada das meninas. Gostaria que os adultos pudessem perceber que eu era bonita, delicada e bem-comportada.
Parecia que eu não era digna de ser valorizada com a mesma ternura de uma filha. E eu queria usar um maldito vestido para aqueles recitais de piano!
Em outras ocasiões, o cartão de menino funcionou a meu favor. Eu me misturei na prática de esportes. As meninas podiam ser descartadas como risonhas ou fofoqueiras, mas eu não era. Eu também corria menos risco de sexualização.
Mais tarde, enfrentei minha disforia dos dois lados. Eu enfrentei a espada de dois gumes dos estereótipos.
Ser homem não o torna malcomportado, predador ou desagradável. Você merece igual simpatia e proteção de qualquer mulher.
Ser mulher não significa que você é mais fraca, frívola ou redutível à beleza. Você merece igual respeito e oportunidade de qualquer homem.
Por algum tempo, me cansei da minha introspecção sem fim. Por que eu não poderia estar bem com um corpo masculino? Por que a identidade de “ele” me causa tanto sofrimento? O gênero não deveria importar?
Eu me curei de muitas coisas da infância. No entanto, meus sentimentos trans não mudaram.
No final, parei de questionar. Talvez algo permanente em meu cérebro tenha me tornado trans. Fosse o que fosse, eu estava farta da dúvida.
Comecei a fazer o que me deixava feliz.
Eu mudei meu visual. Finalmente gostei mais do que vi no espelho. Eu usava pronomes femininos. Parece tão simples, mas foi um sonho que se tornou realidade. Finalmente me senti compreendida pelo mundo.
Talvez minha ex-colega de escola Deirdre hoje esteja contente em ser mulher. É possível que ela se veja de uma forma não binária. Ela também pode considerar a transição para o gênero masculino.
Eu não posso dizer. Deirdre é a maior especialista nela mesma. Mas não saber o gênero do seu amigo não significa que você nunca o conheceu. Quem somos é muito mais íntimo do que pronomes, categorias ou rótulos. Eu conhecia Deirdre e ela era uma pessoa admirável.
O gênero é fluido e complexo. Qualquer que seja o conflito que você experimentou quando criança, saiba que sua dignidade humana permanece intacta.
Você merece ser você mesmo.
3. Eu não gosto de como meu colega de quarto gay se expressa - eu gosto mais de mulheres trans
Minha nova amiga Nabhitha não suportava a maneira como seu colega de quarto gay falava. Ela gostava mais de mulheres trans, disse ela. Comparando os dois grupos, ela achou as mulheres trans mais respeitáveis.
Ai! Um defensor do meu gênero acabou de dizer coisas quase homofóbicas.
Fiquei surpresa com o sentimento da minha amiga porque algumas pessoas sentiram o contrário. Eu conhecia pessoas que adotavam a expressão queer, mas não sabia como se sentir sobre a identidade trans.
O que Nabhitha não sabia era que as críticas à feminilidade masculina eram pessoais para mim. Eu cresci em uma cidade conservadora. Crianças na escola zombavam da minha voz. Quando deixei meu cabelo comprido até mesmo os adultos olhavam torto.
Hoje em dia eu me infiltrei como uma mulher trans, tive privilégios binários. Às vezes, eu tinha o privilégio da "passabilidade". Eu queria apoiar homens queer, pessoas não binárias e outros que enfrentassem estigmas diferentes dos meus.
Em defesa de Nabhitha, ela teve conflitos de compartilhamento de espaço com o colega de quarto. Ele pode ter feito muito barulho à noite. Eu nunca o conheci.
Mesmo assim, sua confissão me ensinou sobre preconceito. Gênero e sexualidade são diversos; assim é o preconceito. Podemos ter a mente aberta em alguns aspectos e fechados em outros. É difícil perceber nossos próprios bloqueios. Vou ficar atenta quando as pessoas apontarem o meu!
Como minha amiga e seu colega de quarto gay barulhento, o preconceito vem de encontros aleatórios. Quando alguém está contra eu ser trans, é do passado. Tento lembrar que não é uma questão pessoal.
Serei paciente comigo mesma, paciente com os outros, à medida que nos tornamos cada vez mais gentis.
4. Meu filho não está em conformidade com o gênero - não sei o que o futuro reservará
Minha velha amiga Aimee me estendeu a mão. Ela estava sendo babá de uma criança feminina do sexo masculino. A mãe amorosa da criança ponderou sobre o futuro.
Seu filho será ridicularizado? O gênero se tornaria um problema? E se ele desejasse fazer a transição para uma menina?
Nem Aimee nem a mãe por quem ela cuidou conheciam muitas pessoas com grande variação de gênero. Eu era um link. Elas ansiavam por uma visão de uma mulher transgênero.
O nome da criança era Francisco. Escrevi uma carta para o Francisco e sua mãe incrível, que eu sabia que criaria seu filho arco-íris com bastante amor e graça.
Escrever essa carta me permitiu refletir sobre minha infância. Eu tinha zero experiência como pai, mas muita experiência parental. Eu compartilhei o que eu gostaria que tivesse sido diferente para mim.
No processo, remendei velhas feridas. Eu imaginei uma educação mais compreensiva para a próxima geração:
1. Francisco nunca dirá: “Eu teria feito a transição”. Se eles quiserem, eles terão a chance.
2. Francisco não se sentirá alienado por conta de gênero. Seu eu único será celebrado. Eles vão crescer orgulhosos e abertos.
3. Francisco aprenderá atitudes positivas em relação a diversidade. Eles terão possibilidades maravilhosas.
E se essa linda história infantil não ficar como uma imagem perfeita? Os desafios são garantidos nesta vida, e está tudo bem.
Cada semana será uma nova chance para Francisco se curar e crescer. Como é para mim e para você.
Espero que essas 4 histórias caiam bem na sua jornada de gênero e de vida.
Em ser gentilmente você mesmo, existe poder! Você pode magnetizar outras pessoas para que confiem em você, dando um passo em direção à abertura delas.
Você faz parte de uma árvore de autenticidade que continua se ramificando. Você pertence à aqui.