Quem acompanha o blog deve perceber que eu vejo o meu crossdressing mais como uma característica de estilo pessoal ou de identidade própria do que qualquer outra coisa. No entanto, já postei aqui artigos falando sobre o crosdressing como um fetiche assim como a feminização como um fetiche e, em ambos os casos, a medicina entende o comportamento como um tipo de parafilia, mas será que ele pode ser considerado um transtorno ou uma doença?
Primeiro vale dizer que parafilias, conhecidas como “interesses sexuais invulgares”, são definidas clinicamente como “qualquer outro interesse sexual intenso e persistente que não o interesse na estimulação genital ou carícias preparatórias consentidas com parceiros humanos, fenotipicamente normais e fisicamente adultos”. Ou seja, qualquer fetiche ou comportamento sexual que desvia da norma são considerados como um tipo de parafilia. Além de que, é frequente algum grau de variação nas relações sexuais e nas fantasias de adultos saudáveis. Quando as pessoas concordam mutuamente em praticá-los, os comportamentos sexuais pouco habituais que não causam prejuízo podem integrar uma relação amorosa e carinhosa.
Por outro lado, quando os comportamentos sexuais causam angústia ou são prejudiciais ou interferem com a capacidade da pessoa de desempenhar funções em atividades rotineiras, eles são considerados um transtorno parafílico. A angústia pode resultar das reações de outras pessoas ou da culpa da pessoa por fazer algo socialmente inaceitável. Os transtornos parafílicos podem comprometer seriamente a capacidade de atividade sexual afetuosa e recíproca. Os parceiros das pessoas com um transtorno parafílico podem sentir-se como um objeto ou como se fossem elementos sem importância ou desnecessários na relação sexual.
Sendo assim, travestir-se em si não é um distúrbio (longe disso), mas travestir-se para experimentar uma intensa excitação sexual pode ser, principalmente se causar prejuízo significativo à pessoa ou à terceiros. Segundo o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (5.ª edição), uma das bases de diagnósticos de saúde mental mais usadas no mundo, um indivíduo com Transtorno Transvéstico sofre de ansiedade, depressão, culpa ou vergonha por causa de sua necessidade de se travestir. Esses sentimentos geralmente são resultado da desaprovação de pessoas próximas ou de sua própria preocupação com ramificações negativas sociais ou profissionais.
Alguns estudiosos acreditam que o Fetichismo Transvéstico deve ser excluído da Classificação Internacional de Transtornos (CIT) na próxima revisão, embora ainda seja verdadeiro que algumas pessoas se transvestem de modo compulsivo e se sintam angustiados e prejudicados por seu comportamento.
Sintomas
Travestir-se é a base, mas por si só não pode ser indicativo de uma desordem. Costuma ser mais observado em homens, porém ocorre tanto em homens quanto em mulheres, e freqüentemente começa na infância ou na adolescência e vai-se desenvolvendo como resultado de fatores genéticos, biológicos e psicossociais. A prática pode incluir tanto o uso de apenas uma única peça de roupa tipicamente associada ao sexo oposto quanto a realização de uma transformação completa.
Para ser diagnosticado com Transtorno Transvéstico, de acordo com o DSM-5, uma pessoa deve experimentar uma excitação sexual intensa e persistente por fantasiar ou agir sobre o desejo de usar uma ou mais peças de roupa normalmente usadas pelo gênero oposto. Essas fantasias ou comportamentos devem estar presentes há pelo menos seis meses e causar severo sofrimento ao indivíduo ou disfunção na vida social, profissional ou em outras áreas significativas da vida cotidiana. Outro detalhe, os sentimentos de angústia que caracterizam o Transtorno Transvéstico são distintos da Disforia de Gênero.
O indivíduo com algum tipo de perturbação parafílica frequentemente realiza numerosas tentativas para suprimir a atividade parafílica, mas com o tempo pode aumentar a dificuldade em controlar os atos, sobretudo em períodos marcados por elevados níveis de ansiedade ou outras emoções negativas. Nesse caso, eles podem ficar presos a um padrão negativo de comportamento de comprar roupas com a intenção de se travestir, usá-las durante uma sessão e jogá-las fora na esperança de parar com o crossdressing.
Na maioria dos casos o percurso sintomático é cíclico, mas pode ou aumentar ou regredir progressivamente com o tempo. É comum haver uma grande variabilidade (mutabilidade) de parafilias num mesmo indivíduo com o tempo, embora a maioria apresente apenas uma. Assim, eles também podem ser co-diagnosticados com outros transtornos, incluindo ter o fetiche por roupas, no qual a pessoa fica sexualmente excitada por tecidos, materiais ou vestimentas; masoquismo, em que se experimenta a gratificação sexual por sua própria dor ou humilhação; e autogynephilia, em que um homem obtém prazer sexual ao fantasiar sobre si mesmo como uma mulher (acredito que seja o mesmo que o fetiche de feminização).
Outro comportamento relativamente comum mas potencialmente nocivo é o de se aventurar em passeios solitários em locais públicos, principalmente durante a noite. A necessidade de visibilidade e aceitação pública somada a descarga de adrenalina que a experiência proporciona camufla os riscos da atividade, vale lembrar que violência contra pessoas LGBT ainda acontece com frequência.
Causas
Tratamento
Considerando que se travestir não é um distúrbio, geralmente o comportamento não requer intervenção. Sendo assim, a maior parte das pessoas que se travestem não procura tratamento. Aqueles que o fazem são levados por um cônjuge insatisfeito, são encaminhadas por tribunais ou se apresentam com a preocupação de sofrer consequências sociais e profissionais negativas. Algumas pessoas que se travestem procuram tratamento por causa de disforia de gênero, abuso de substâncias, depressão ou porque ficam angustiados com seus próprios impulsos.
Grupos sociais e de suporte geralmente são úteis. Pela minha experiência foi ótimo poder conhecer pessoalmente amigas que encontrei online e me reunir com diversas outras crossdressers em um evento. Nessas experiências eu percebi que não estava sozinho nessa jornada e me senti menos anormal.
Nenhum tipo de medicamento é sempre eficaz, mas a psicoterapia, quando necessária, pode ajudar a pessoa a aceitar a si própria e a controlar comportamentos que poderiam causar problemas na vida.
Uma pessoa com histórico de Transtorno Transvéstico é considerada em remissão quando seu desejo de travestir não lhe causa angústia ou prejudica sua vida diária há pelo menos cinco anos.
Em alguns indivíduos, a motivação para se travestir pode mudar ao longo do tempo, temporária ou permanentemente, com a excitação sexual em resposta ao transvestismo diminuindo ou desaparecendo. Nesses casos, se travestir vira um antídoto para a ansiedade e depressão ou contribui para um sentimento de paz e tranqüilidade. Em outros indivíduos, uma disforia quanto ao gênero pode emergir, especialmente sob estresse situacional, com ou sem sintomas de depressão. Para um pequeno número de indivíduos, a disforia quanto ao gênero torna-se uma parte fixa do quadro clínico, sendo acompanhada pelo desejo de se vestir e viver permanentemente como o sexo oposto e de buscar reatribuição sexual, por meio de hormônios e/ou cirurgia.
Para finalizar, já que grupos sociais são considerados úteis, segue umas fotos de reuniões de crossdressers e transgêneros pelo mundo todo para você se inspirar um pouco e quem sabe organizar uma na sua região.
Reunião aqui em Curitiba-PR |
Reunião na Inglaterra |
Reunião nos Estados Unidos da América |
Reunião na Austrália |
Reunião na Espanha |
Fontes:
Serviço Nacional de Saúde - Portugal
Psychology Today
Manual MSD para profissionais de Saúde
Manual MSD para a Família
Dr. João Borzino - Sexologia e Terapia Sexual