quarta-feira, 5 de maio de 2021

Meu primeiro passeio como mulher

Traduzido de The Weimar Project

O dia foi inesquecível para mim, a primeira vez que caminhei na rua como uma mulher. Há muito tempo eu desejava isso, mas vivenciava apenas nos meus sonhos secretos. Eu tinha encontrado uma boa amiga a quem pude revelar o que havia adormecido dentro de mim como um segredo cuidadosamente guardado desde a infância. E, com uma amorosa compreensão, ela ficou feliz em me ajudar a realizar os meus desejos mais íntimos.

Não foi preciso muita preparação, já que eu estava acostumada a usar roupas femininas elegantes por baixo das roupas de homem, além de que, sempre que surgia uma oportunidade, eu trocava a máscara masculina forçada pelo meu rosto verdadeiro, de mulher, e eu estava acostumada a vestir roupas femininas e joias em casa. Fora que, minha figura com quadris acentuados, a cintura fina, a linha delicada das costas, os ombros estreitos e inclinados e o busto feminino, combinava mais com roupas femininas do que com um terno.

Eu precisava de algumas aulas particulares de uma mulher experiente para completar a imagem externa de uma dama em roupas de passeio. O chapéu lançava sombras suaves sobre o rosto velado, que tinha apenas um leve toque de pó, um pouco de delineador quase imperceptível e um traço de blush. O cabelo loiro discreto, que se misturava ao meu cabelo encaracolado na testa, fluía em ondas pesadas sobre as orelhas adornadas com pérolas finas e se mantinha amarrado em um coque cheio na nuca. A blusa de gola alta foi decorada com um fecho delicado. O vestido escuro de alfaiataria caía maravilhosamente bem, do qual a mão, meio envolta em renda, parecia estreita e pequena na luva branca. O guarda-chuva descansou em meu braço como um bom amigo. Um perfume discreto e o tilintar suave das pulseiras completavam o quadro, que era de elegância discreta. Senti tudo isso ao passar pelas crianças brincando na escada da elegante casa onde acabara de ocorrer a transformação.

Uma última hesitação tomou conta de mim quando cruzei a soleira da casa, mas a segurança da minha amiga a afastou. Naturalmente, caminhamos pelas ruas noturnas com suas luzes coloridas. Oh, como fiquei feliz! Quanto alívio eu senti! Como o ritmo do caminhar feminino voou pelos meus membros! Tudo era ternura, delicadeza e alegria. Foi uma bênção, pela primeira vez, livrar-me da máscara e apresentar meu verdadeiro eu diante de olhos humanos.

Um cinema chamou nossa atenção. Assim que entramos no camarote, um senhor se levantou da primeira fila e me ofereceu sua poltrona com polidez masculina. Como me senti ao saber que estranhos me tratavam com respeito e ainda me tratavam como uma mulher graciosa? Enviei um olhar caloroso e brilhante de agradecimento a ele. Eu estava com vergonha de falar. Durante essas horas eu esqueci completamente minha masculinidade, eu era completamente uma mulher. Todas as minhas memórias anteriores foram apagadas. Eu deixei o camarote e dei um leve aceno de cabeça, e esse aceno também foi revigorante.

Voltamos para as ruas. Senti como os olhos dos cavalheiros procuravam os meus e havia um desejo neles que eu não tinha condições de satisfazer. No caminho de volta para casa, apertei com gratidão o braço da minha amiga, que posteriormente me proporcionou muitas noites felizes entre estranhos que não faziam ideia e, assim, criou para mim uma felicidade que não machuca ninguém, mas que raramente atinge uma de nós e que muitas vezes tem um preço amargo a ser pago.

Uma refeição alegre, para a qual uma segunda dama foi convidada, fez a noite acabar com uma conversa sutil de meninas. Eu era completamente uma mulher entre as mulheres. Cada olhar, cada movimento, até a mão adornada com anéis percorrendo as ondas loiras dos cabelos, nasceu dos mais profundos sentimentos femininos. Todos os instintos femininos que antes eram isolados agora estavam totalmente despertos. Eu era tão completamente uma mulher que a convidada de minha amiga só descobriu minha vida dupla quando revelamos o segredo. Com um sorriso amigável, ela entendeu isso com naturalidade, e de forma alguma mudou sua maneira de olhar para mim, pois fluxos de feminilidade fluíram de mim para ela.

Eu tinha ficado tão confiante que, é claro, também fiz o caminho noturno para casa em meu vestido e não fiquei nervosa quando um cavalheiro me pediu informações. Com bastante calma, informei-o de que íamos pelo mesmo caminho e que ele poderia acompanhar em silêncio.

Eu felizmente cheguei em casa e sonhadoramente refleti sobre o meu passeio por muitas horas. Às vezes ainda ando pelas ruas como mulher, mas não tem sido tão emocionante quanto naquele primeiro dia. Cada hora que passo como mulher, no entanto, é um presente do céu. Sempre desejei ser membro de um círculo refinado e amante da arte, no qual eu, como mulher, posso me mover entre outras pessoas e lá encontrar consideração amorosa por minha feminilidade e individualidade, como as duas amigas me mostraram no meu primeiro passeio como uma mulher.

Por Hans Hannah Berg

. . . . .

O meu primeiro passeio não foi tão emocionante assim, até escrevi um pouco sobre ele nesse artigo aqui mas já adianto que é bem sem graça. Esse texto foi escrito pela Hans Hannah Berg para a primeira edição da revista alemã Das 3. Geschlecht - Die Transvestiten (O terceiro sexo/gênero - As travestis) publicada em, acredite se quiser, maio de 1930. Pois é, essa história se passou a mais de 90 anos atrás e ainda hoje conheço diversas pessoas que dividem exatamente o mesmo sentimento que a autora descreveu.

Espero muito que daqui a 90 anos esse tipo de história que, tanto a Hannah quanto eu ou você, passamos não seja nada além de passado e as pessoas tenham liberdade de assumir a suas identidades próprias sem nenhum tipo de receio.

2 Comentário(s)
Comentário(s)

2 comentários:

Unknown disse...

Um dos meus grande motivos de querer virar crosdreser é o fato de poder vivenciar experiencia do sexo oposto,na minha opiniao é como você ser um super heroi aonde voce tem uma dupla identidade e voce adota uma delas para cada situação especifica seja de necessidade ou por desejo.é muito bom❤

Anônimo disse...

essa história é linda é algo que eu venho sonhando a anos.