Traduzido de Douglas Giles, PhD
Vou abordar um assunto delicado e ouso perguntar: qual é o problema com o rótulo de "transgênero"? Não há absolutamente nenhum problema com qualquer ser humano que possa se considerar "transgênero" pois todos os seres humanos devem ser aceitos pelo que são. O problema é o próprio rótulo, basicamente porque se trata de um rótulo.
Primeiro, sejamos claros sobre qual é o problema.
Uma pesquisa do Reino Unido descobriu que 79% das pessoas que se identificam como transgênero vivenciaram crimes de ódio relacionados à sua identidade de gênero e 32% sofreram violência física. Ambas as porcentagens são mais altas do que as experiências de gays, lésbicas e bissexuais. A Human Rights Watch relata que a violência mortal contra pessoas da comunidade trans está aumentando.
Pessoas estão sendo discriminadas, assediadas, ridicularizadas, agredidas e até mortas porque não se enquadram bem nos estereótipos culturais de "homem" ou "mulher". Eu coloquei “homem” e “mulher” entre aspas porque os gêneros são construções sociais. Em outras palavras, as categorias de “homem” e “mulher” significam o que decidimos coletivamente que significam, e esses significados mudam conforme as culturas mudam. Não se trata de genitália, mas do que as pessoas pensam e sentem sobre o conceito de “homem” e “mulher” e sobre os valores que atribuem a esses significados. Valores e significados são anexados a conceitos e esses conceitos são representados por uma palavra ou rótulo.
Nesse caso, se uma pessoa não está agindo como um “homem” ou como uma “mulher” “deveria” agir, é amplamente considerado que essa pessoa está fazendo algo impróprio. Indivíduos que agem de forma contrária às essas normas sociais podem ser tratados com suspeita e hostilidade. Os estereótipos são maneiras simples e fáceis de categorizar as pessoas, e se alguém pensa que todos são “homem” ou “mulher”, então julgar as pessoas é fácil. As pessoas confiam em conceitos e em seus rótulos para saber como devem pensar, sentir e fazer julgamentos sobre as coisas. Conceitos e rótulos dão uma sensação de segurança e compreensão, razão pela qual muitas pessoas se sentem desconfortáveis quando outras não se conformam com as normas sociais do que um “homem” ou uma “mulher” deve ser.
A questão é: como podemos parar a discriminação e a hostilidade contra pessoas que não se conformam com estereótipos sociais como "homem" e "mulher?" Se o problema é julgar as pessoas de acordo com as categorias, adicionar outra categoria não é a resposta. Se “transgênero” é apenas mais um rótulo ao qual atribuímos valores e significados para definir as pessoas, o que exatamente se ganha? Mais rótulos não resolvem os problemas criados por rótulos. Como um rótulo que designa uma categoria, “transgênero” torna-se outro estereótipo contra o qual as pessoas individualmente são julgadas.
As guerras estúpidas de rótulos
Podemos ver isso agora no desenvolvimento da guerra territorial sobre quem pode usar o rótulo de “transgênero” e quem pode ser considerado “trans apoiador”. Um exemplo: em resposta a mulheres feministas que argumentam que as experiências de vida de pessoas criadas como "homem" que agora se identificam como "mulher" não se igualam às experiências de pessoas que nasceram e foram criadas como "mulheres". Existem alguns radicais que difamam essas feministas como TERFs (feministas radicais trans-exclusivas). Você pode procurar “TERF” no YouTube para ver algumas das críticas entre esses dois campos brigando por rótulos. Portanto, agora as pessoas têm outro rótulo pelo qual as pessoas podem lutar e usar contra outras. Como costuma acontecer em discussões sobre rótulos, há mais julgamento do que empatia.
Outro exemplo é esta imagem, publicada originalmente aqui.
Subjugação por rótulos |
O criador diz que é isso que o rótulo “transgênero” significa e substitui esses outros 20 rótulos. Claro, algumas pessoas discordaram veementemente. Para piorar as coisas, o criador define o próprio rótulo como se defendendo do resto do mundo e acrescenta que o rótulo "transgênero" é reservado para pessoas que "cruzam ou desafiam" os papéis tradicionais de gênero, abrindo a discussão sobre quem está cruzando papéis de gênero adequadamente ou não. É aqui que os rótulos podem causar mais danos – quando são julgamentos de valor. O rótulo não é mais descritivo, mas avaliativo, permitindo a rejeição do julgamento de "você não pode se chamar 'transgênero' porque não se afasta suficientemente dos papéis tradicionais de gênero."
O que os rótulos realmente fazem
Obviamente, nem todo mundo está usando o rótulo de transgênero como uma arma para dividir e subjugar, mas o problema permanece. Adotar um rótulo é definir a si mesmo ou aos outros por ele. Os rótulos podem ser úteis, mas também podem ser prejudiciais. Muitas vezes, as pessoas usam rótulos não para esclarecer e afirmar, mas para classificar e rejeitar. As pessoas são discriminadas porque não se enquadram em uma categoria considerada adequada ou porque são consideradas diferentes e inferiores. Adicionar o rótulo “transgênero” acrescentou mais uma categoria para as pessoas discutirem e julgarem os outros como de alguma forma inferiores.
Rótulos podem ser usados para justificar e manter relações de poder. Além de dar aos conservadores outro rótulo com o qual ele poderá estigmatizar e reprimir ainda mais essas pessoas que já são marginalizadas, dá às pessoas que adotariam o rótulo de transgênero uma desculpa para excluir outros que não consideram "transgêneros o suficiente". Agora há pessoas que usam os termos “cisgênero”, “cismacho” e “cisfêmea” de maneiras difamatórias. Já ouvi esses termos usados como insultos ou rejeições irônicas de pessoas – "você é apenas um cismacho". Já temos um rótulo, se precisarmos de um, para um homem de mentalidade tradicional que se antepõe às pessoas "transgêneros": "intolerante".
O que realmente importa
A questão que realmente precisamos abordar é a seguinte: vamos discutir sobre rótulos ou vamos lidar com pessoas individualmente por quem elas são?
O maior problema com o rótulo transgênero é que ele nos diz para pensar em termos de um rótulo e não em termos de indivíduos. Precisamos celebrar a realidade de que todas as expressões individuais são valiosas, ao mesmo tempo reconhecendo as experiências e desafios particulares dos indivíduos, evitando o preconceito indireto embutido em causas como "All Lives Matter" (em contra ponto ao movimento Black Lives Matter). Este ponto é importante porque aqueles indivíduos que divergem dos estereótipos de “homem” ou “mulher” enfrentam desafios diferentes daqueles que não o fazem. Essas experiências são parte do que as pessoas bem-intencionadas estão tentando cobrir com o rótulo de “transgênero”, mas, apesar das boas intenções, o rótulo é um guarda-chuva fraco que não se dirige aos indivíduos como indivíduos e, em última análise, não abrange ninguém.
Não existe apenas uma experiência “transgênero”; existem tantas experiências diferentes quanto indivíduos diferentes. Vamos respeitar os indivíduos, não os classificando e ouvindo-os e respeitando-os como indivíduos com suas próprias experiências únicas.
Adicionar mais rótulos serve apenas para dividir e ofuscar, em vez de esclarecer. O rótulo de transgênero não impede a discriminação, o assédio, o ridículo ou a violência. Somente reconhecendo outros indivíduos como tendo valor por quem eles são fará isso. Em última análise, não deve importar como a pessoa se veste, com quais brinquedos a criança brinca, que nome ela deseja se chamar, e assim por diante. Quem é esse alguém como pessoa é o que importa. Em vez de rotular as pessoas, devemos ouvi-las. Em vez de se rotular, você deve ser você mesmo. Essas duas coisas vão acabar com a discriminação, assim então sairemos da mentalidade de categorizar e julgar as pessoas.