Passabilidade é quando uma pessoa tem que esconder que é trans para ser respeitada pelos outros, simples assim. Pra falar a verdade, achar que a identidade de gênero obrigatoriamente depende da aparência é uma violência ao direito que cada um tem sobre seu próprio corpo.
Traduzido de Takoda Leighton-Patterson
Quando me assumi como transgênero, a primeira coisa que fiz foi procurar grupos de apoio. Não é a coisa lógica a se fazer? Eu pensei assim até me encontrar em um grupo, me sentindo mais disfórica do que antes de me juntar a eles. Lutei com a sensação de que o objetivo dos grupos era que nos sentíssemos validados, seguros e vistos uns pelos outros. Minha expectativa do grupo estava longe da realidade e com isso fui obrigada a abordar o que eu estava sentindo e vendo no grupo. Em vez de ver mulheres solidárias e felizes, vi membros se olhando com desprezo, algumas dando-se mais valor do que outras com base em uma ideologia que imediatamente reconheci como perigosa. Essa ideologia é chamada de “passabilidade”.
Para entender por que a passabilidade é perigosa, você deve primeiro entender a própria palavra e o seu significado. Quando se trata de gênero, ser passável é uma forma de se integrar. Passar é ser percebido como alguém cisgênero ao invés de transgênero. Se passar por mulher trans significa simplesmente parecer uma “mulher de verdade”. Por que eu acho que isso é perigoso? Porque nos leva a perseguir um objetivo impossível. Qual é a aparência de uma mulher de verdade? Quem decidiu como é uma mulher de verdade? Se focar nisso, você encontrará a óbvia misoginia encarando você. Durante séculos, as mulheres foram submetidas às opiniões dos homens cis e julgadas por seus padrões. Somente mulheres com um determinado tipo de corpo, cor de pele, comprimento de cabelo, etc. eram e, de muitas formas, ainda são consideradas como "mulher ideal". Os padrões de beleza sempre tiveram falhas e, como resultado, muitas mulheres começaram a se odiar por isso. As mulheres trans não estão livres deste destino, na verdade muitas de nós sofrem da mesma forma porque nos ensinam e nos dizem que devemos sermos passáveis para sermos “reais”.
Esse não é o meu único problema com a ideologia da passabilidade;
Meu principal problema com a ideologia é que ela, na minha opinião, diminui o
que realmente significa sermos nós. Não sei e não posso falar por outras mulheres
trans, mas não existo para a aprovação cis ou para ser vista como uma mulher
cis. Eu sei quem eu sou, eu sei como vim a este mundo e eu sei que não importa
as cirurgias que eu fizer, ou os treinos que eu fizer, etc. Nunca serei uma mulher
cisgênero e nem é um objetivo que eu procuro alcançar. Não existo para “passar” aos
olhos da sociedade. Minha validade não está nas mãos de pessoas cis, então por
que dar a elas esse poder? Por que abrir mão do meu? Por que me esgotar por um objetivo
que não seja o meu? Ainda mais um que também seja inalcançável? Tenho 1,98m de altura, meu calçado é número 45 e a minha mandíbula é forte! Não sou o que a maioria das pessoas cis consideram uma
mulher de verdade! Olhando para mim, você até pode adivinhar que sou
uma mulher trans e quer saber? Eu não me importo! Eu amo a mim mesma e amo ser trans.
O que significa ser uma mulher trans? Não posso responder
por todas porque responder por todas implicaria que é algo direto e seco, fácil de
explicar e, acima de tudo, significaria que há apenas um significado. Não posso
responder por todas, às vezes não posso responder nem por mim, mas o que posso fazer
é falar por experiência própria e dizer o que não é. Ser trans significa muito
mais do que ser visto como "real", toda mulher cis ou trans é real e a
visão da sociedade sobre o que é real não é da minha conta. Não preciso que as
cirurgias sejam reais, não preciso feminizar minha voz para ser real, não
preciso agir de uma determinada maneira para ser real, apenas tenho que existir
e só isso me torna real. Como mulher trans, sou um desafio direto à visão e
ideia da sociedade sobre o que é gênero! Eu sou um desafio direto para qual é a
visão da sociedade sobre uma mulher! Eu sou um desafio direto para o que alguns
consideram ciência.
Mulheres, e quando digo mulheres, mulheres trans estão incluídas porque somos de fato mulheres. As mulheres estão constantemente sob o julgamento de homens cis e sob a pressão de olhar, agir, pensar e ser de uma determinada maneira, porque a ideia do que uma mulher real foi decidida por eles e não por nós. Nenhuma mulher é ou parece a mesma, cis ou não, mas todas as mulheres são informadas coletivamente de como uma mulher deve ser e nós nos punimos por isso. Nenhuma mulher, cis ou não, tem "passabilidade" porque não há uma maneira específica de ser mulher. Então, sim, estou cansada de usar o termo passabilidade. Estou cansada de ver isso ser considerado o objetivo para nós, estou cansada de ser usada como uma ferramenta para o auto-ódio e ainda ver mais mulheres se afogando em depressão e disforia, o que pode levar a mais suicídios!
Nunca seremos livres e libertos enquanto continuarmos a
colocar nossa validade, respeito próprio, amor próprio e saúde mental nas mãos
daqueles que não poderiam entender o que significa ser real. Meu conselho é dar
uma olhada ao seu redor, olhar para cada pessoa ao seu redor. Você notará que
eles não têm a mesma aparência porque ninguém tem. O objetivo deveria ser se parecer com você mesma e gostar de quem você vê no espelho. Isso não deveria ser baseado em como os outros pensam que você deveria parecer.
Takoda Leighton-Patterson, autora do texto |