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Traduzido de Anna B.
Quando eu sinto disforia, a música me carrega para outro universo.
Quando eu tinha quatro anos de idade, fui até a minha mãe e disse a ela
que tinha algo de errado. Eu não me sentia um menino. O ano era 1976. Como boa parte dos pais daquela época, eles não fizeram nada a
respeito. Ignore-o e talvez ele vá embora. Depois disso eu não tenho nenhuma memória de
me abrir dessa maneira com eles novamente. E eu estava sofrendo por dentro.
Alguns anos depois, na escola primária que eu frequentava,
tínhamos aula de música. Eu absolutamente amei a aula de música e a minha
professora, Sra. MacNamara. Ela percebeu que eu tinha uma habilidade natural
para tocar todos os instrumentos musicais da sala de aula com facilidade.
Ela me fez ficar depois da aula um dia e tocar todos os
instrumentos musicais que ela podia colocar em minhas mãos. Ela me mostrou como
cantar escalas maiores e menores em uníssono com o piano, e eu aprendi
rapidamente. Ela parecia muito animada!
Quando surgiram as reuniões de pais e professores, a Sra.
MacNamara fez questão de dizer aos meus pais que eu tinha um talento natural
para tocar instrumentos musicais. Meus pais sorriram e disseram “oh, isso é
legal”. A Sra. MacNamara tentou explicar a eles que isso era algo que eles
precisariam nutrir para evoluir. Mas mais uma vez, meus pais não fizeram nada a respeito.
A Sra. MacNamara deu à classe um dever de casa em que tínhamos que criar uma música original e gravá-la em um pequeno gravador de mão, usando quaisquer instrumentos que tivéssemos em casa ou que precisássemos emprestar da sala de aula.
Em casa, minha família tinha um órgão elétrico antigo com um
recurso de acompanhamento automático. Bateria, baixo, órgão e outros vários
sons de teclado.
Usando o órgão elétrico, coloquei uma faixa de
acompanhamento de batida de rock enquanto eu tocava o teclado e cantava uma
melodia simples. Não consigo me lembrar da letra que inventei, mas era uma
música muito simples.
No dia seguinte, toquei a fita da música que fiz para a Sra.
MacNamara e ela chorou. Ela estava tão feliz! Eu achei que minha música era meio
ruim, mas fiquei feliz por ela ter gostado. Tenho certeza de que ela acreditava que
eu teria um futuro de sucesso na indústria da música algum dia.
Entrando no meu último ano naquela escola primária, a Sra.
MacNamara engravidou e deixou a escola. O novo professor de música acabou apenas seguindo os capítulos do livro e nem se importava muito com a música.
Eu ainda continuei a tocar qualquer instrumento musical que
eu pudesse colocar em minhas mãos.
O melhor amigo do meu irmão tocava violão e as vezes trazia o violão dele para a nossa casa. Ele me deixou tocar com ele, e ele não acreditava o quão
rápido eu aprendi as coisas em seu violão. Ele tinha uma guitarra para
iniciantes de escala curta que ele me deu. Mais tarde, ele até me deu seu velho
baixo. Foi tão legal da parte dele fazer isso. Eu toquei aqueles instrumentos até
que eles se desfizeram.
Mas a sensação na parte de trás da minha cabeça estava ficando mais forte a cada dia. Por que não me sinto um menino? Eu deveria ter nascido uma menina? Por que esse sentimento angustiante não vai embora? Além de tudo eu gostava de garotas – isso não fazia nenhum sentido! Eu estava com muito medo de contar a alguém o que eu estava passando.
Meus professores conversaram com meus pais e disseram que
havia algo acontecendo comigo. Minhas notas estavam caindo e eu não estava
interagindo na aula ou com qualquer outra criança. Eu estava deprimido e
engordando. Sempre que um professor me puxava de lado e me perguntava como eu
estava, eu começava a chorar. Novamente, meus pais não fizeram nada sobre isso.
Eles simplesmente não queriam lidar com isso.
A aula de ginástica do ensino médio foi um pesadelo porque eu realmente sentia que não pertencia ao vestiário masculino. Eu estava passando pela puberdade e me senti tão confuso. Eu me recusei a tomar banho com os meninos. Quando o professor de ginástica tentou me fazer entrar no chuveiro eu exclamei “VOCÊ NÃO PODE ME OBRIGAR A FAZER NADA QUE EU NÃO QUEIRA FAZER!!” depois disso eles me deixaram em paz. Foi a primeira vez na minha vida que eu me defendi sozinho.
Eu não conseguia afastar a sensação de que poderia ser um
pervertido, como a mídia vinha retratando “travestis” na televisão e no cinema.
Eu também tinha ouvido pessoas brincarem (julgarem) a respeito das “travestis” e dizerem o quão “doentes” eles achavam que elas eram. Que havia algo seriamente errado em se
sentir do gênero ou sexo oposto.
A única coisa que ajudava a acalmar a minha mente era quando
eu tocava guitarra, baixo ou órgão elétrico. Independentemente do tempo que
passei brincando com os instrumentos musicais que tinha, a sensação de ter
nascido no corpo errado parecia desaparecer.
Aos 16 anos, descobri os gravadores multipista. Com um
gravador multipista, eu podia tocar todos os instrumentos faixa por faixa e
gravar álbuns completos sozinho. Era exatamente o que eu precisava!
Pesquisei todos os componentes que eu precisaria para poder
gravar álbuns completos, e saí e consegui um emprego de meio período depois da
escola para poder comprar tudo o que precisava para criar música.
Eu fui capaz de me perder no processo de gravação e
trabalhar os meus sentimentos. Eu escrevi e gravei músicas de rock'n'roll e
álbuns conceituais sobre o que eu estava passando. Tudo por mim e por mais
ninguém. Quando estava criando música eu me sentia em outro universo, onde tudo
fazia sentido.
Anos depois, fiz algumas pesquisas para tentar entender o que estava acontecendo na minha cabeça. Descobri naquela época que a angústia que eu tinha por não me sentir menino era chamada de “transtorno de identidade de gênero”. Aos 27 anos, finalmente tive um nome para dar ao sofrimento mental que sempre senti. Fiquei tão aliviado que parecia ser uma condição bastante cortada e seca, e que eu não era um pervertido (ou pior!) como a religião e a mídia me faziam acreditar.
Não muito tempo depois, comecei a explorar a expressão de gênero
feminino em privado. Nas primeiras vezes em que me montei completamente,
senti uma conexão entre a mente e o corpo tão forte que ficava formigando por toda parte.
Houve uma mudança imediata no meu estado mental. Eu me senti verdadeiramente
feliz. Perdi muito peso em pouco tempo e me senti mais saudável do que nunca.
Estou chegando aos 50 anos agora e atualizei bem o meu estúdio de
gravação caseiro. Gravei cerca de cem álbuns e milhares de músicas
desde aquela primeira música que fiz para a aula de música da Sra. MacNamara.
Mesmo que as minhas músicas não sejam de calibre profissional e eu não tenha acabado na indústria da música, usei a música e a criatividade para acalmar a angústia da minha disforia de gênero e trabalhar os meus sentimentos. Hoje percebo que a Sra. MacNamara e a música salvaram a minha vida, e isso é o que realmente importa.
Alguns artistas/bandas que desafiaram os costumes sociais naquela época: Queen, David Bowie, Mötley Crüe, Boy George, Annie Lennox, Twisted Sisters |