Traduzido de Emma Holliday
A vergonha transgênero é uma masmorra emocional profunda e com poucas saídas.
Vergonha: um sentimento doloroso que é uma mistura de arrependimento, auto ódio e desonra.
Envergonhado: sentir vergonha; sentir angustiado ou embaraçado por sentimentos de culpa, tolice ou desgraça.
Embora eu não soubesse que eu era uma pessoa transgênero até completar meus 61 anos de idade, durante toda a minha vida eu senti vergonha da percepção que eu tinha da minha própria identidade masculina, ou masculinidade. Desde o princípio me ensinaram que eu era um homem e por toda a minha vida foi esperado de mim fazer nada além de coisas masculinas.
A sociedade tem paredes rígidas. Algumas são boas e outras são ruins. Fazer parte dela traz algumas penalidades pesadas caso você não siga suas regras.
Você seria considerado um depravado caso desviasse da rígida regra binária de gênero. Então, por essa razão, eu mantive a minha confusão de gênero em segredo por décadas. A profundidade dessa realidade eu escondi até de mim mesmo.
Ser um “macho” tem muitas regras. Uma das mais difíceis é a tal da honra. Os homens são fortemente doutrinados a manter um certo senso de honra, e a vergonha faz parte do mecanismo de controle. Ela costuma ser usada de maneira bem eficaz pela sociedade.
“Não desonre o seu país. Não desonre a sua família. Não se desonre.” “Não traga vergonha para o nome da sua família. Não envergonhe a sua esposa e família. Não faça com que a sua mãe e o seu pai tenham vergonha de você.”
Eu carreguei um sentimento de vergonha do meu próprio gênero por toda a minha vida e arrasto com ele um sentimento interno de culpa, arrependimento, auto ódio e desonra. Essa vergonha privada me fazia agir frequentemente de forma deplorável. Haviam tantas dessas "coisas de homens”, particularmente em bares, quando meus amigos faziam piadas sobre gays e lésbicas ou piadas misóginas. Eu particularmente nunca fiz nenhuma do gênero, mas eu com certeza “ri” delas para que eu pudesse me enturmar como um dos caras. Eu tinha medo de parecer “fraco”. Eu precisava me encaixar e, ao fazê-lo, encontrei uma nova maneira de adicionar uma vergonha diferente à minha alma.
Admitir que sou transgênero agora é um ato tão vergonhoso no mundo de hoje quanto no mundo em que cresci.
Mas por que eu deveria ter vergonha de ser transgênero? É um fato da natureza, não uma escolha tomada. Não é uma fraqueza no meu caráter. Eu fui um escoteiro e cresci vivendo o lema dos escoteiros.
“Um escoteiro é: confiável, leal, prestativo, amigável, cortês, gentil, obediente, alegre, econômico, corajoso, limpo e reverente.”
Ok, talvez a parte “reverente” tenha sido abandonada depois de 12 anos de educação católica rígida. Assista ao filme Somos Todos Católicos (1985) para ter um vislumbre da vida em que eu cresci.
Então apesar de eu seguir todos esses valores ao longo de toda a minha vida agora eles serão negados? Qual é o meu valor para aqueles em minha vida? Todas as coisas boas e honrosas que fiz por minha família, amigos e comunidade ao longo da minha vida serão descartadas de repente porque me assumi transgênero? Todos os meus atos foram tão vazios e sem sentido a ponto de poderem ser descartados de suas vidas como lixo sem valor?
Foi preciso muita terapia e autoconhecimento... e quero dizer muito, para finalmente perceber que esse sentimento de vergonha e todos os seus irmãos sujos e vis não têm lugar na minha vida. Por que eu deveria sentir vergonha de finalmente superar a opressão de quem eu sou só porque não sou o que eles precisam que eu seja para me encaixar na visão de mundo deles?
Francamente, eles que deveriam se envergonhar por julgar meu valor na vida deles inteiramente por conta do gênero que eu apresento. Que desonra e constrangimento eu infligi a eles corrigindo o que é, essencialmente, um "defeito" de nascença meu?
Se eles realmente se importam comigo, eles deveriam estar felizes por mim, por eu finalmente ser capaz de purgar toda essa escuridão da minha alma e conseguir ficar em paz.
Continuo a escrever anonimamente porque preciso permanecer incógnito, profissionalmente e pessoalmente, por mais algum tempo, mas escrevo para eles tanto quanto para mim.
A razão pela qual escrevo tanto é encontrar uma maneira de compartilhar e expor muito do que eu tenho passado. Preciso tirar a vergonha que sinto de mim mesma por ser transgênero e fazer a transição e, por associação, remover esse mesmo sentimento de vergonha daqueles que mais amo na minha vida.
Eu estimo que os outros em minha vida não tenham o mesmo tempo, vontade ou necessidade de alcançar o mesmo nível de compreensão que alcancei sobre esse tema em tão pouco tempo. Continuo escrevendo para ajudá-los ao máximo que posso, porque não quero perdê-los apenas por falta de conhecimento. Eu quero tirar essa ignorância inocente e dar a eles uma chance de, se não celebrar meu despertar, pelo menos remover esse sentimento de vergonha equivocado que tem sido tão maliciosamente associado a ser transgênero por intolerância social antiquada.
Não quero que a ignorância seja a razão pela qual alguém me rejeite. Eu quero que eles façam isso com pleno conhecimento enquanto tomam sua própria escolha.
Mas eu não exigirei a sua aceitação para que nós possamos coexistir neste mundo.
Eu só quero ter espaço suficiente para poder viver nele em paz.