Existem relatos históricos de depilação desde a nossa antiguidade. Alguns artefatos indicam que em 1500 a.C. os homens já removiam os pelos do corpo com um depilador feito de sangue de diversos animais, gordura de hipopótamo, carcaça de tartaruga e trissulfeto de antimônio. Os romanos também tinham suas receitas, algumas das quais continham soda cáustica como ingrediente. Cleópatra tirava seus tão indesejáveis pelos com faixas de tecidos finos banhados em cera quente. Os romanos associavam a pele lisa e sem pelos à classe e pureza.
Na Idade Média, a Igreja católica esperava que as mulheres cristãs mantivessem os seus pelos como uma forma de feminilidade, mas que os escondessem em público. Esse pensamento perdurou até a Era Vitoriana, que foi até o início do século XX, quando as pessoas no geral ainda usavam vestimentas que cobriam o corpo todo e mal deixava a pele aparente.
O texto a seguir apresenta a transformação moderna por meio de propaganda que trouxe de volta a depilação aos corpos femininos em conjunto com as roupas abertas no contexto dos Estados Unidos do começo de 1900.
Falando por mim, desde criança eu nunca gostei da estética dos pelos corporais. Durante a minha adolescência eu entrei em desespero quando começou a brotar pelos no meu corpo todo (inclusive costas e bunda). Hoje sou adepto da depiladora elétrica e dificilmente passo uma semana sem usar.
Traduzido de Vox
Em 1920, quando uma jovem cortou a pele ao raspar a perna, não foi apenas um acidente. Foi uma noticia nacional, porque depilar as pernas era algo totalmente incomum:
"Moça se corta ao depilar as pernas para usar meia aberta" Depilar as pernas virou notícia nacional em 1920. Seattle Star/Biblioteca do Congresso |
Como as mulheres raspando suas axilas e pernas passaram de uma história incomum em 1920 para a moda vigente em 1950?
A melhor pesquisa que encontrei responsabiliza essa mudança a uma campanha publicitária sustentada para mudar a forma como as mulheres se arrumam.
Foto de 1908, naquela época a moda mais comum em todo o mundo era cobrir o corpo todo. |
No início do século 20, as mulheres não se importavam se tinham pelos nas pernas ou nas axilas, e isso era perceptível nos guias de beleza, anúncios e moda da época. As roupas escondiam tanto que era raro ver pernas ou axilas nuas, então remover os pelos não era bem uma necessidade. Antes da década de 1910, depilar essas áreas era rotina somente para atrizes e dançarinas, ou para preparar alguém para uma cirurgia.
As mulheres se preocupavam com os pelos em outros lugares. Christine Hope realizou a pesquisa definitiva sobre depilação feminina em seu artigo de 1982 "Pelos corporais femininos caucasianos e a Cultura americana", e sua pesquisa de anúncios nas antigas revistas Harper's Bazaar e McCall's mostra que eles se preocupavam com pelos faciais, do pescoço e do antebraço. O resto do corpo simplesmente não ficava à vista.
Mas novas tendências começaram a mudar tudo em poucos anos.
Os anunciantes segmentaram a axila
De acordo com Hope, a mudança começou em 1915, quando os anunciantes da Harper's Bazar começaram a focar nos pelos das axilas (geralmente para vender vários cremes depilatórios). Isso veio junto com a tendência dos vestidos sem mangas, muitas vezes inspirados em roupas gregas e romanas, que passou a expor os braços das mulheres que anteriormente eram cobertos. Isso, é claro, levou a indústria depilatória a vender a ideia de que os pelos das axilas eram indesejáveis.
Este anúncio de 1922 da Harper's Bazaar é típico do gênero que surgiu:
Esta citação típica de uma campanha publicitária da época diz tudo:
"A Mulher da Moda diz que as axilas devem ser tão lisas quanto o rosto"
Os apelos eram em grande parte baseados na moda, mas também diziam às mulheres o que elas deveriam fazer para estar na moda (remover os pelos das axilas). Navalhas seguras também entraram nessa onda. Como a Gillette afirmou em um anúncio de 1917: "Milady Decolette é a pequena e delicada Gillette usada pela mulher bem cuidada para manter as axilas brancas e lisas".
Até certo ponto, a mudança gradativa da depilação também foi possibilitada graças a tecnologia, como a invenção de um aparelho de barbear com lâminas descartáveis em 1901 e a embalagem de creme depilatório instantâneo em 1919. Mas essa tecnologia também precisava expandir seu mercado.
Nos loucos anos 20, as roupas ficaram mais curtas e a indústria da depilação tem como novo alvo as pernas
Mulheres raspando as pernas em 1927 (essas mulheres estavam na Broadway, então eram um pouco atípicas para a época). |
Durante a década de 1920, as saias na altura do joelho tornavam as pernas mais visíveis, e as empresas de depilação não perderam tempo afirmando que seus produtos permitiam que "uma mulher tomasse banho sem meias, sem autoconsciência".
A análise de Hope mostra que uma porcentagem relativamente pequena de anúncios se concentrava na depilação das pernas: na Harper's Bazar, por exemplo, 66% dos anúncios de depilação mencionavam as pernas, mas apenas 10% delas fizeram disso seu único foco.
Resumidamente, até parecia que os métodos depilatórios poderiam ser apenas uma moda passageira. De 1924 a 1926, os anúncios desapareceram do catálogo da Sears e da McCall's. E a maioria dos anúncios eram sazonais, indo de abril a setembro – época que sugere que as mulheres buscavam a depilação principalmente no verão (no hemisfério Norte), quando suas axilas e pernas estavam expostas.
Isso não durou.
Nos anos 50, as pernas nuas se tornaram a norma
"Agradeça aos cremes depilatórios que são generosos com o seu nariz e com os seus nervos" Um anúncio de depilação de pernas de 1939. |
Na década de 1940, a depilação nas pernas se tornou o padrão. A essa altura, todos os anúncios de depilação na Harper's Bazar mencionavam os pelos nas pernas e 56% deles focavam apenas nas pernas, de acordo com Hope.
Os anúncios mais conservadores da McCall's não seguiram completamente o exemplo, mas também mudaram o foco para os pelos nas pernas, com slogans obscenos como "Vamos olhar para suas pernas – todo mundo olha".
E nessa época, a mídia implementou os anúncios condenando os pelos nas pernas. Em 1939, a Harper's Bazar escreveu: "Meias 3/4 no campus são bem vindas, mas não em pernas peludas". Há indícios de que as pernas não depiladas ainda existiam na época, mas estavam desaparecendo – em 1941, a revista dizia: "Se fôssemos reitores das mulheres, cobraríamos um demérito de cada perna peluda andando no campus".
Com o fim dos anos 50, a transformação da pelagem americano estava completa. Em 1964, 98% das mulheres americanas com idades entre 15 e 44 anos relataram que removeram alguns pelos do corpo.
Os anúncios pressionaram as mulheres a remover os pelos das axilas e das pernas?
Os anúncios podem ser responsabilizados pela transformação? É difícil saber – um fenômeno universal como depilar as pernas que acontece ao longo de décadas é difícil de definir como consequência de algumas campanhas publicitárias. Havia claramente um preconceito preexistente contra os pelos do corpo também – isso é mostrado pelos anúncios nos anos 1900 que visavam os pelos do rosto, pescoço e braço. A mudança da moda pode ter simplesmente revelado uma nova área que precisava ser cuidada de acordo com os padrões preexistentes.
Por outro lado, o registro de publicidade sugere que a depilação de pernas e axilas era originalmente uma questão situacional – as mulheres só raspavam a pele se soubessem que suas axilas ou pernas seriam expostas e, mesmo assim, ainda não era necessariamente a norma.
Além disso, como observa Hope, a natureza instrucional de muitos dos anúncios faz parecer que as propagandas estavam dizendo às mulheres o que era apropriado, em vez de reforçar as tendências existentes. Este anúncio de 1945 diz exatamente por que uma mulher "precisa" depilar as axilas.
Uma coisa, no entanto, podemos afirmar com certeza: em 1920 virou notícia quando uma mulher raspou as pernas e se cortou, e apenas algumas décadas depois a notícia mudou e passou a envergonhar a mulher que não se depila.
Por fim, vale mencionar que a noção de que os pelos do corpo não são atraentes pode ser rastreada até o livro de Charles Darwin, Descendência do Homem (1871), onde sua teoria associou os pelos do corpo a formas primitivas e menos desenvolvidas de nossos ancestrais, ao mesmo tempo que associou a pele lisinha à evolução e à atratividade.