Como é ser transgênero?

Traduzido de Amber Poe

Quando você é uma pessoa transgênero e finalmente se sente confortável o suficiente para dizer ao mundo inteiro que você é transgênero, você passa a receber muitas perguntas. Abaixo está uma lista das minhas favoritas de todos os tempos:

- Como você descobriu que é transgênero?

- Você tem certeza que é transgênero... você nunca brincou com Barbies ou foi um homem afeminado, de onde vem isso?

- Você está planejando cortar a sua rola?

- Espera, você gosta de homens? Agora você é gay ou está em transição para ser heterossexual?

- Há quanto tempo você sabe que é transgênero?

E finalmente...
- Como é ser transgênero?

Então, “Como é ser transgênero?” Bem, ao contrário do que quero dizer da maioria das outras pessoas trans por aí, eu não sabia que era transgênero desde cedo. Eu não brincava com Barbies, nem tinha vontade de usar vestidos, nem de me maquiar, nem de entrar no armário da minha mãe para experimentar as roupas dela. Tive uma infância feliz e saudável quando menino. Então, admito que sou um novato na compreensão do que significa ser transgênero, mas acho que encontrei a maneira perfeita de descrever como é.

Acredito que esse cenário irá repercutir na maioria de vocês. Quantos de vocês tiveram um emprego logo após a faculdade? Seu primeiro emprego de tempo integral, espero que seja assalariado, com benefícios, cultura de escritório, tudo isso (o que eu sei que é raro hoje em dia, mas vamos lá). Pode não ser o que você queria fazer, não é o emprego dos seus sonhos, mas ei, é um começo, não é como se você fosse ficar aqui para sempre, certo... certo???

Então você começa o trabalho e acha ótimo. As pessoas até te encorajam e te elogiam pelo seu desempenho. Você se dá bem com todo mundo, se entende com todo mundo, tem uma rotina legal. Levante-se, vista-se, faça o ótimo trabalho que todo mundo está dizendo que você está fazendo… trabalho é ótimo, certo? Mas no final você bate em uma parede. Você percebe que o que está fazendo não é gratificante o suficiente... ouso dizer que não parece certo? Acho que você sabe onde quero chegar com isso.

Se você nunca viu o filme Amor Sem Escalas (2009) com George Clooney, eu recomendo fortemente, pois ele é simplesmente fenomenal. A ocupação do personagem de Clooney é especialista em downsizing. Ele trabalha para uma empresa especializada em reavaliar os funcionários/tamanho de uma empresa e depois lhes dá um pacote de benefícios e depois se reúne com cada funcionário individualmente e os deixa ir. Em um ponto do filme, ele demite alguém cara a cara e o personagem do Clooney tem uma certa experiência nesse ramo, então ele está pronto para todo e qualquer tipo de reação e quando um funcionário fica com raiva por estar sendo dispensado de um emprego vitalício (e com razão então), Clooney encontra uma maneira interessante de devolver isso ao funcionário.

Clooney desafia o funcionário com a pergunta “Qual é o seu sonho?” aludindo ao emprego dos sonhos do funcionário. Clooney olhando para o currículo dele diz “Seu currículo diz que você se formou em artes culinárias francesas. A maioria dos estudantes dessa área hoje trabalha como fritador no KFC. Você movia as mesas em um restaurante para se sustentar. Aí você saiu da faculdade e começou a trabalhar aqui. Quanto eles pagaram para você desistir dos seus sonhos?” O funcionário respondeu “$ 27.000”.

Não consigo pensar em um exemplo melhor para resumir o que significa ser transgênero. Todo mundo, também conhecido como sociedade, diz que você está indo muito bem. Você tem um ótimo trabalho, talvez uma esposa/marido amoroso, depois filhos e depois uma casa. A sociedade continua dando tapinhas nas suas costas todos os dias “Bom menino, continue assim, você está indo muito bem!” A sociedade nunca para de dizer “Mantenha esse status quo, confie em nós, não há nada melhor para você… você está feliz, veja tudo o que você tem e conquistou!”

Enquanto isso, a infelicidade que você sente começa a aumentar. Você tenta empurrar esse sentimento profundamente. Você se convence de que está feliz. Por que fazer algo ousado ou novo que possa comprometer tudo o que você tem? Você olha para tudo o que o rodeia e é confortável…mas monótono…é rotineiro. Aquele desejo de perseguir o emprego dos seus sonhos que você deixou de lado há muito tempo começa a surgir e continua crescendo dentro de você até...

Algo tem que acontecer. Algo tem que mudar. Mas então a dúvida surge em você. Mas e se eu falhar? E se eu perder meus relacionamentos? E se... E se... E se... você puder “E se?” você mesmo até a morte, mas no final das contas tem que ser você quem vira a chave e finalmente abre a porta para a vida que você nasceu para viver.

No filme o personagem do George Clooney também é um palestrante motivacional em paralelo. Ele tem uma analogia de como tem coisas na sua vida e você acaba enfiando todas elas em uma mochila semelhante à analogia do peso do mundo que está sobre seus ombros. Ele começa com coisas materialistas para colocar na sua mochila… casa, jóias, relíquias/fotos de família, etc. e então ele diz “e então eu coloquei fogo na sua mochila… o que você salva?” O objetivo do exercício era obviamente desafiar o que você considera mais importante em sua vida. Então, ele finalmente se aprofunda um pouco mais na analogia aqui:

“Você tem uma mochila nova. Só que desta vez quero que você a preencha com pessoas. Comece com conhecidos casuais, amigos de amigos, pessoas do escritório e, em seguida, passe para as pessoas em quem você confia seus segredos mais íntimos. Seus primos, suas tias, seus tios, seus irmãos, suas irmãs, seus pais e por fim seu marido, sua esposa, seu namorado ou sua namorada.

Você os coloca naquela mochila. E não se preocupe. Não vou pedir para você colocar fogo nela. Sinta o peso dessa mochila. Não se engane – seus relacionamentos são os componentes mais pesados da sua vida. Você sente as alças cortando seus ombros?

Todas aquelas negociações e argumentos, e segredos e compromissos. Você não precisa carregar todo esse peso. Por que você não larga essa mochila? Alguns animais foram feitos para carregar uns aos outros, para viver simbioticamente por toda a vida - amantes cruzados, cisnes monogâmicos. Nós não somos esses animais. Quanto mais devagar nos movemos, mais rápido morremos. Não somos cisnes. Somos tubarões.”

Quanto mais devagar nos movemos, mais rápido morremos não é apenas um eufemismo, mas um fato concreto e frio. Ainda mais importante, você precisa se curar do peso daquela mochila. Então, uma vez que você tirou a mochila e se curou dela, você finalmente se permitiu a chance de viver seus sonhos e de ser a pessoa que você deveria ser e não a pessoa que todos querem que você seja. Viva para você, e somente para você, e quando você for a melhor versão de si mesmo, poderá se abrir mais uma vez e começar uma nova mochila. Desta vez, porém, mantendo o que realmente é mais importante para você e pronto para assumir tudo e qualquer coisa com uma autoconfiança renovada e um amor por si mesmo que você nunca imaginou ser possível.

Então, como é ser transgênero? Acho que é como se libertar de uma carreira, emprego ou vida que você pensava que o fazia feliz, mas no final das contas percebeu que não era. Uma vez que essa compreensão aconteça, você terá que encontrar a coragem para realmente fazer essa mudança... ser essa mudança para você mesmo e, em última análise, para todos aqueles ao seu redor.

A única coisa em ambas as analogias que acho que a maioria das pessoas esquece de salvar são elas mesmas por primeiro. Afinal, como você vai apagar o fogo se não se salvar primeiro? Libertar-se daquela mochila citada e das amarras que há tanto tempo te cortam e ter a chance de se curar… de ser feliz. Com o ano novo apenas começando, não consigo pensar em um momento melhor para começar uma mochila nova, e você?