Traduzido de James Kirchick
O problema de gênero de Norah Vincent
As lições da falecida escritora sobre como quebrar o binarismo de gênero
Quando a escritora Norah Vincent decidiu viver como um homem para fins de um experimento jornalístico, ela esperava que sua vida fosse ficar mais fácil. Afinal, os homens desfrutam de muitos tipos de vantagens estruturais na sociedade americana, vantagens que Vincent explorou em seu livro "Feito Homem: A jornada de uma mulher no mundo dos homens" (2006). Da mesma forma que outra grande jornalista imersiva, Barbara Ehrenreich, relatou sobre os trabalhadores pobres trabalhando em uma série de empregos de salário mínimo no livro "Miséria à Americana" (2004), Vincent empreendeu uma investigação sobre como vivia uma versão mais literal da “outra metade”.
Com a ajuda de um novo guarda-roupa, um corte de cabelo mais curto, uma camada de barba artificial, um sutiã esportivo extremamente apertado e um treinador de voz da Juilliard School, Vincent viveu como “Ned” por 18 meses. Ao longo de sua experiência, Vincent passou com sucesso em vários ambientes masculinos, de uma liga de boliche a um clube de strip-tease e a uma poderosa empresa de vendas ao estilo O Sucesso a Qualquer Preço (1992), ganhando a confiança de seus muitos interlocutores masculinos ao longo do caminho. Para sua surpresa, o que ela descobriu a tornou mais solidária com a situação dos homens, que, ela escreveu, sofreram tanto ou mais com as expectativas de gênero da sociedade do que as mulheres.
O principal aprendizado de Vincent de seu tempo vivendo como Ned foi uma apreciação mais profunda da “toxicidade dos papéis de gênero” que “provou ser desajeitado, sufocante, indutor de torpor ou até quase fatal para muito mais pessoas do que eu pensava, e pela simples razão de que, homem ou mulher, não deixaram você ser você mesmo.” Para os membros masculinos de nossa espécie, essa toxicidade decorre da ansiedade de serem percebidos como femininos, “o resultado de homens trabalhando ativamente para reprimir quaisquer tendências femininas rasteiras em si mesmos e em seus irmãos”. No final das contas, “não era por ser descoberta como mulher que eu estava realmente preocupada. Ned estaria sendo descoberto como menos do que um homem de verdade” – isto é, um homem que não se conforma às normas estereotipadas de gênero masculino. A língua portuguesa tem muitas palavras para esse tipo de homem – viado, maricas, mulherzinha, bicha, todas denotam principalmente aquela classe de ser humano que estava, até bem recentemente, entre as minorias mais desprezadas: os homossexuais.